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Protestantismo e Sustentabilidade

por Johnny Bernardo*

Estabelecido em 1972 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o Dia Mundial do Meio Ambiente completa hoje (5) quarenta e dois anos de celebração. Impactos ambientais causados pelo aumento da devastação de florestas e emissão de dióxido de carbono colocou a comunidade científica internacional em estado de alerta. De acordo com um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), divulgado em março de 2014, o “impacto do aquecimento global será grave, abrangente e irreversível”. 

Baseado em mais de 12 mil pesquisas publicadas em meios de comunicação científicos, o relatório do IPCC prevê mudanças dramáticas. Sintetizando os impactos decorrentes do aquecimento global, o diretor do IPCC e cientista indiano Rajendra Pachauri, declarou, por ocasião da divulgação do segundo de uma série de relatórios a serem publicados em 2014, que “ninguém neste planeta ficará imune aos impactos das mudanças climáticas”. Dos impactos previstos pelo relatório estão o aumento de 2 Graus Celsius da temperatura entre 20 e 30 anos, desgelo do Polo Ártico, perdas de mais de 25% nas colheitas de milho, arroz e trigo até 2050, e enchentes devastadoras.

Disputas pela hegemonia econômica internacional motivam a divulgação de estudos “científicos” contrários ao aquecimento global. Don Easterbrook, professor emérito de Geologia Glacial da Western Washington University, nos EUA, é um dos que contestam que a presença de dióxido de carbono na atmosfera possua relação com o aquecimento global. Apesar de negativas de alguns cientistas de renome internacional, países como Inglaterra e China desenvolvem programas ambientais responsáveis apesar de divergências políticas. Diante da ameça da poluição causada por fábricas e automóveis, o governo da Inglaterra recentemente anunciou uma meta de diminuição da emissão de CO2 e a China planta milhões de árvores em uma zona deserta de Pequim.

Fé e sustentabilidade

Não obstante divergências quanto ao impacto da intervenção humana no planeta, o desmatamento de florestas – como da Amazônia -, e o aumento de emissão de CO2 afetam diretamente a humanidade de várias formas, com prejuízos físicos e econômicos incontestáveis. Em meio a debates e campanhas internacionais, evangélicos de denominações históricas começam a se posicionar frente ao desafio. Primeira igreja evangélica fundada Pós-Reforma Protestante, a Igreja Luterana inaugurou, em outubro de 2013, em Porto Alegre/RS, o Instituto Sustentabilidade. Três anos antes, a Igreja Evangélica Luterana do Brasil realizou, em Foz do Iguaçu, o 42º Congresso Nacional da Juventude Evangélica Luterana do Brasil (JELB), quando foram desenvolvidas oficinas de sustentabilidade e responsabilidade ambiental, em parceria com a Itaipu Binacional.

Com o objetivo de orientar os membros, a Igreja Metodista da Terceira Região Eclesiástica de São Paulo lançou, por ocasião da Celebração Regional do Coração Aquecido, em junho de 2013, a cartilha “Ser Cristão é ser Sustentável”. Segundo a Câmara de Ação Social – departamento da Igreja responsável pelo desenvolvimento de políticas sociais -, o objetivo da cartilha é conscientizar a todos e a todas sobre a importância de se valorizar as questões de sustentabilidade. “Uma igreja que não olha para fora de si está fadada a afundar em seus próprios problemas. A preocupação com o meio ambiente deve ser de todos e de todas”, declarou o pastor e responsável pelo departamento social da Igreja, Renato Saidel Coelho. Dois anos antes, a Igreja Evangélica Congregacional de Bessa, em João Pessoa, Paraíba, mesclou, em um evangelismo realizado na orla da capital, pregação de textos bíblicos baseados em temas ambientais, de sustentabilidade.

Outro exemplo de preocupação com o meio ambiente provém da capital paulista. Ancorada no centro de São Paulo, a Igreja Batista da Liberdade promove campanhas de sustentabilidade através de seu braço social, o Ministério de Sustentabilidade Socioambiental, a Ecoliber. Organizada em agosto de 2008 pelo pastor Eli Fernandes de Oliveira, a Ecoliber teve como primeiros membros o físico e professor Oswaldo Massambani, Guenther Carlos Krieger Filho, Priscila Slobodticov e a esposa do professor. Atualmente com dez participantes, o ministério trabalha com coleta seletiva e destinação adequada do lixo produzido pela Igreja e palestras sobre sustentabilidade.

Fundada em 30/4/1909, a Igreja Batista da Liberdade é uma denominação histórica contextualizada nos desafios da atualidade, de Sustentabilidade. A IBL é um marco e um ponto de apoio em uma área de intensas atividades comerciais, econômicas, empresariais, características do centro da maior cidade da América Latina, São Paulo. O documento Our Common Future (Nosso Futuro Comum), também conhecido como Relatório de Brundtland, apresentou o termo Sustentabilidade e o definiu como o processo de desenvolvimento capaz de satisfazer as necessidades presentes, publicado em 1987, e é citado pela IBL como um elemento propulsor ao desafio ambiental. “A partir daí a Sustentabilidade se tornou algo presente, pelo menos na pauta de discussão de empresas, organizações, escolas, veículos de comunicação e até nas igrejas. Pois além de envolver as atividades produtivas, engloba o cuidado com o meio ambiente e com a sociedade – tripé base da sustentabilidade (econômico, social e ambiental)”, aponta a IBL na página oficial da Ecoliber.

Presente em 19 países, a ONG A Rocha atua no Brasil a partir de um escritório localizado na Avenida Pedro Bueno, 1831, Parque Jabaquara, São Paulo/SP. Fundada no início de 2001 por Peter e Miranda Herris, em Portugal, A Rocha surgiu a partir da publicação e repercussão do livro “A Rocha – Uma comunidade evangélica lutando pela conservação do meio ambiente”, de autoria de Peter Herris. Britânico radicado em Portugal desde 1983, o casal de ministros do Evangelho trabalha com o conceito de fé e sustentabilidade por meio de projetos ambientais em parceria com igrejas e organizações missionárias. De Portugal o movimento foi estabelecido na França, de onde alcançou outros dezessete países. No dia 18 de março de 2006, segundo o site oficial da Organização, uma assembléia realizada em São Paulo oficializou A Rocha Brasil como ONG brasileira (Organização Não-Governamental). No mesmo ano, A Rocha Brasil, juntamente com outras organizações, realizou no mês de novembro o primeiro Fórum Missão Integral: Ecologia e Sociedade em Araçariguama.

O tema meio ambiente possui pouca ressonância em igrejas pentecostais, com algumas exceções. Por ocasião de uma assembleia de líderes da Igreja O Brasil para Cristo, realizada em março de 2011, em Campinas/SP, o Deputado Federal Roberto de Lucena (PV) apresentou aos coordenadores da Juventude da Igreja O Brasil para Cristo (JUBRAC) o projeto ambiental Aceno Verde. Acompanhado pelo líder da JUBRAC do Estado de São Paulo, o presbítero Luís Donizetti Vaz Junior, plantou uma muda de Pau-Brasil no Hotel Fazenda Solar das Andorinhas, tombada como Patrimônio Histórico pelo CONDEPACC (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas), segundo informações do site do parlamentar. Maior expressão do ambientalismo evangélico brasileiro, a vice na chapa do presidenciável pernambucano Eduardo Campos, a acriana Marina Silva, é ligada a Igreja Assembleia de Deus e atualmente comanda o projeto Rede Sustentabilidade.

Conservadorismo x Sustentabilidade 

Contrários à participação de cristãos em movimentos ambientais, de defesa do meio ambiente, de um modo sustentável de vida, líderes, pastores, ciberativistas, chamam a atenção para o fato de que a Terra será destruída por Deus, subtendendo-se que a entrada de protestantes históricos em projetos de sustentabilidade é um erro. Em maio de 2013 o pastor estadunidense Mark Driscoll declarou, durante uma conferência realizada em Dallas, “que os cristãos não devem se preocupar com o meio ambiente ou com o aquecimento global porque Jesus estaria prestes a arrebatar a Igreja”. A declaração contraria uma ampla maioria de pastores e intelectuais cristãos que acreditam na importância de a Igreja se posicionar em questões ambientais pelo o fato de que a consequência da intervenção do homem na natureza já é uma realidade no século XXI, em nossa geração.

Um ano antes às declarações de Mark Driscoll, o professor de Ciência Ambiental de uma universidade cristã do sul da Califórnia, Mark McReynolds, relatou ao The Christian Post que o envolvimento de evangélicos com políticas ambientais aumentava prodigiosamente nos EUA e em outros países. McReynolds reafirma a aproximação tomando como base o chamado de Lausanne. “Fomos incentivados por mais de 4.000 líderes evangélicos, de 200 países, que participaram do congresso realizado na Cidade do Cabo, em 2010. Lausanne III, o Congresso Internacional sobre Evangelização Mundial reafirmou em sua Confissão de Fé que temos a obrigação como igreja de cuidar da criação de Deus”. Na Parte I, item 7, letra A, do Pacto de Laussane III, registra-se o compromisso assumido com a preservação da criação de Deus, a natureza. (Leia aqui).

Atribuindo aos cristãos a responsabilidade ambiental, em 2009 a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) publicou a “EcoBíblia” ou “Bíblia Verde”, obra produzida em parceria com o Instituto Gêneses 1.28, uma ONG Ambientalista Cristã Evangélica. Em cerimônia de lançamento em Brasília e que contou com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o diretor executivo do Instituto Gêneses 1.28 declarou: “Não temos qualquer pretensão de acrescentar absolutamente nada à Bíblia Sagrada. Queremos apenas mostrar e ajudar as pessoas a entenderem sua perfeição, que trata de forma muito clara e explícita da consciência e de nossas responsabilidades sobre a Criação de Deus”.

O fundador da Ecoliber, Eli Fernandes de Oliveira, expressa que “a igreja precisa estar consciente e sensibilizada em relação às questões globais que afetam a preservação da Criação. Além disso, como ensina os princípios bíblicos, é dever de cada cristão praticar a Mordomia Socioambiental”. Na Cartilha “Ser Cristão é ser Sustentável”, Renato Saidel Coelho conclui de forma clara: “cabe a cada um fazer sua parte para que o mundo que conhecemos permaneça por muitas e muitas gerações o mais intacto possível evitando, assim, que muito do que hoje existe não se transforme em peça de museu ou extinto da face da Terra por falta de uma preocupação com o que nos cerca”. Ponto!

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* é jornalista, pesquisador da religiosidade brasileira e das relações entre religião e sociedade, colunista do Gnotícias e do Núcleo Apologético de Pesquisas e Ensino Cristão

Contato: pesquisasreligiosas@gmail.com