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Religião e desempenho escolar

por Johnny Bernardo*

Como resultado de uma rodada de entrevistas com alunos de três escolas do ABCD paulista, realizada entre os meses de outubro de 2013 e abril de 2014, reproduzimos parte de uma realidade nacional – de polarização religiosa entre católicos e evangélicos e do crescente número de pessoas que afirmam “não possuir qualquer religião”. Ao mesmo tempo, comprovamos a informação de que a prática religiosa seguida de uma base familiar sólida são fatores que influenciam no desempenho escolar. Os entrevistados, entre 16 e 18 anos, apresentaram informações semelhantes aos coletados por um grupo de pesquisadores do Rio Grande do Sul. Na análise “A influência da religião no desempenho de escolares provenientes de uma comunidade vulnerável de Santa Maria, RS” (2012), os pesquisadores demonstram a relação entre religião e desempenho escolar. Nina Meneses Cunha, em sua tese de pós-graduação “Religiosidade e desempenho escolar: o caso de jovens brasileiros da região metropolitana de Belo Horizonte” (2012) também chegou a conclusões semelhantes.

Comparada à densidade demográfica brasileira com os números apresentados pelo Novo Mapa das Religiões (resultados obtidos pelo IBGE) observamos que a polarização católico-evangélica se reproduz em diversos seguimentos da sociedade, mas particularmente em zonas de classe baixa, nas periferias. Quanto mais afastada está do centro econômico/comercial, a periferia tende a apresentar elementos em comum: presença de aparelhos públicos (como unidades de saúde e escolas) e igrejas católicas e evangélicas. Há de se destacar que paróquias e igrejas neopentecostais geralmente situam-se nas grandes vias de acesso aos bairros, enquanto as pentecostais situam-se no interior dos bairros que compõem a periferia. Neste contexto, as declarações de pertencimento religioso ocorrem em consonância com a disposição espacial/geográfica das denominações religiosas presentes nas imediações. Mas além de denominações católicas e evangélicas (pentecostais e neopentecostais), religiões de origem norte-americana também ganham campo, a exemplo das Testemunhas de Jeová e a Igreja Adventista do Sétimo Dia. 

Condições financeiras, de capacidade de locomoção, servem de base para o entendimento do pequeno número de entrevistados que declaram pertencer a igrejas protestantes históricas e a comunidades evangélicas como a Bola de Neve e a Comunidade Casarão. Presente na área central, as referidas denominações normalmente apresentam em seus quadros membros das classes a e b, e uma pequena presença de pessoas da classe c. São denominações de caráter elitista, não por um posicionamento discriminatório, mas pelas características históricas, litúrgicas, de aprofundamento teológico, que não atrai camadas mais inferiores da sociedade. As igrejas pentecostais, dirigidas por pastores com pouca formação teológica e secular, os cultos abertos ao testemunho e participação da membrasia, somado a proximidade com a residência dos membros, são elementos que pesam na opção pelas igrejas pentecostais. Neste contexto, a dinâmica religiosa regional aparece em dados obtidos em sondagens com alunos de escolas públicas, localizadas nas imediações.

Números levantados e tabulados a partir das entrevistas com alunos de três escolas do ABCD paulista, exemplificam a polarização católico-evangélica dimensionada nos entornos das instituições, nas periferias. Pelo menos nas escolas pesquisadas, o número de alunos que se declaram “católicos” (39%) é inferior aos que se declaram “evangélicos” (44%). Tal diferenciação se explica pela localização geográfica, da periferia, onde igrejas pentecostais (particularmente Assembleia de Deus, Congregação Cristã no Brasil, Pentecostal Deus é Amor, Casa da Benção) são maioria em comparação ao número de igrejas católicas, localizadas nas vias de acesso aos bairros. Outro dado interessante e que aparece em consonância com recentes levantamentos feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é o grande número de alunos que declaram “não possuir qualquer religião” (12%). Outros 5% são compostos por testemunhas de Jeová (2%) e espíritas (3%). O número de alunos que declaram pertencer ou não a uma religião é, como demonstrado acima, um reflexo da dinâmica social, da realidade nacional, já abordada pelo IBGE.  

Cruzando os números obtidos com o desempenho escolar, questões socioeconômicas, capacidade educativa dos pais, disciplina da religião pertencente, valores sociais inerentes à prática religiosa são elementos que aparecem como fatores da diversidade de resultados obtidos. Dos que se declaram evangélicos (44%), pelo menos 25% possuem dificuldade de assimilação das disciplinas, por fatores que passam pela situação socioeconômica e ausência de apoio intelectual dos pais – a maioria dos quais se quer cursou o ensino fundamental. A localização geográfica, a característica da periferia, da ausência dos pais em casa, devido ao trabalho, são elementos que pesam na capacidade de desempenho dos entrevistados. Realidade não muito diferente ocorre entre os que se declaram “católicos”. Dos 39%, pelo menos 29% também possuem dificuldade na assimilação das disciplinas. Apesar dos números desfavoráveis, tanto católicos quanto evangélicos se destacam no quesito disciplina – da capacidade de acatar ordens, de respeito para com professores.

Outro fato importante a se destacar – com referência a evangélicos – é que há um maior índice dos que declaram possuir o “hábito de leitura”. O motivo, segundo depoimentos, é que a leitura da Bíblia, de livros evangélicos, os conduz a outras leituras, embora não necessariamente acadêmicas, educativas. No universo católico o acesso a textos bíblicos e estudos relacionados é inferior ao verificado no evangélico – com exceção dos que se declaram “carismáticos” (12%), pelo o fato de possuírem maior acesso a livros de autoria católica e também evangélica. Dos que se declaram “testemunhas de Jeová” há um maior índice de desempenho escolar, de leitura e disciplina, devido à doutrinação a que são submetidos nos Salões do Reino, embora o incentivo ao ingresso na universidade seja inferior ao verificado entre evangélicos e católicos. Dos que se declaram “espíritas”, há semelhanças ao verificado entre evangélicos e católicos – particularmente com relação ao acesso a leitura e disciplina. São dados relevantes do ponto de vista sociológico.

Em resumo, pode se concluir que entre os que professam uma crença religiosa há uma maior disposição de busca do saber (apesar de dificuldades externas) em relação aos que declaram “não possuir qualquer religião”. A ausência de disposição aos estudos, à prática escolar, não necessariamente significa ausência de disciplina, de respeito em sala de aula, e mesmo aos que “professam uma crença”. Dos que não possuem qualquer religião, pelo menos 7% declaram respeitar os que optam pela via religiosa. São dados igualmente relevantes. De uma forma geral, e aproveitando uma das conclusões obtidas pelos pesquisadores do RGS, a religiosidade exerce influência no comportamento escolar, especialmente em relação à observância às normas sociais e da instituição de ensino onde estudam. “Os resultados evidenciaram que alunos que seguem alguma opção religiosa apresentam maior disposição em estudar em casa, talvez pela disciplina imposta pelos próprios pais. Entre os que responderam não levar em consideração a igreja, o percentual de alunos que não estudam em casa foi significativamente maior do que os demais grupos. Tal constatação indica que a religião possui influência no comportamento dos alunos, principalmente, no que diz respeito à disposição e estímulo para estudar e, consequentemente, na aprovação e/ou reprovação escolar” (p.159). 

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* é jornalista, pesquisador da religiosidade brasileira e das relações entre religião e sociedade, colunista do Gnotícias e do Núcleo Apologético de Pesquisas e Ensino Cristão (NAPEC)

Contato: pesquisasreligiosas@gmail.com